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terça-feira, 13 de setembro de 2011

“Do uso da violência contra o Estado ilegal” (Ciências Políticas)

Ciências Políticas
Tema – Livro de Vladimir Saflater
Principal Bibliografia utilizada: “Do uso da violência contra o Estado ilegal” – Vladimir Safatler;
Do uso da violência contra o Estado ilegal – Vladimir Safatler
Auschwitz: era o maior campo de concentração nazista.
Os campos de concentração foram um genocídio industrial, o desejo de eliminar o inumerável de um povo com racionalidade instrumental de um administrador de empresa. A dimensão desses campos não estão apenas no desejo de eliminação, mas sim na articulação desse com o desejo sistemático de apagar do acontecimento. Seria não deixar cadáveres. Segundo Jacques Derrida “o que a ordem da representação tentou exterminar não foi somente milhões de vidas humanas, mas também uma exigência de justiça, e também nomes...”.
Nesse sentido, o campo de concentração teve o destino de expor como núcleo de todo o totalitarismo se transforma em ação ordinária. O totalitarismo não é arma política que visa a violência estatal focada na eliminação de todo questionamento de legalidade do poder; na verdade é fundado nessa violência muito mais brutal do que a eliminação física: a violência da eliminação simbólica, a violência de imposição do desaparecimento do nome. No centro de todo totalitarismo estará a operação de se eliminar o nome de quem a ele se opõe.
Desse modo, segundo Carl Schmirt sobre a soberania, “é soberano quem decide pelo estado de exceção”; É soberano aquele que define quem é terrorista”, quem será excluído (mesmo que sujeito de direito). Esse desaparecimento do nome é o sintpma mais brutal do totalitarismo.
Como exemplo, o autor usa uma analogia com Antígona, de Sófocles. Em conclusão, se tira a ideia que o Estado deixa de ter qualquer legitimidade quando mata pela segunda vez aqueles que forma mortos fisicamente; um estado que usa como política de estado a anulação de nomes prepara sua própria ruína, elimina sua subsistência moral. Não tem mais o direito de existir enquanto Estado.
É nesse sentido que os totalitários procuravam também a morte dos traços; só a morte física não bastava, é necessário apagar aqueles capazes de portar as memórias das vítimas. O desaparecimento era objeto de uma solução definitiva.
No entanto, na maioria dos casos, esse desejo de desaparecimento não teve força para perdurar. A justiça não teve medo de novamente abrir os processos contra militares e de mostrar que era possível renomear os desaparecidos. Da mesma forma, no chile houve a prisão de Pinochet e em Londres, a de Manuel Contrera. O Brasil foi o único que realizou de maneira bem sucedida as palavras dos carrascos nazistas ao realizar a profecia da violência sem trauma.
Toda violência se equivale?
Os esquecimentos dos “excessos” do passado para uma garantia de stabilidade democrática. A aceitação tácita dessa tese é a verdadeira causa do caráter deformado e bloqueado de nossa democracia. Mas, na verdade, ao invés de ‘esquecimento do excessos do passado’, o correto seria ‘amnésia sistemática em relação a crimes de um estado ilegal’.
Os argumentos dos defensores desse Partido da Amnésia são:
                            I -             “não houve, No Brasil, tortura e assassinato como políticas sistemáticas de segurança de Estado; logo, não houve crime”. Os crimes seriam invenção de esquerdistas e os casos isolados teriam ocorrido sem o consentimento do comando militar que dirigia o país; por isso o Estado brasileiro não poderia culpa-los. A documentação internacional sobre a participação do governo brasileiro na Operação Condor, que matou opositores do regimes militares sul-americanos, não será ouvida. A ocasião da prisão desses infratores seria um complô internacional de esquerdistas; os quais poderiam ter inventado as histórias sobre tortura, talvez a fim de simplesmente receber indenizações compensatórias.
                          II -             “houve tortura e assassinato, mas estávamos em uma guerra contra terroristas que queriam transformas o país em uma sucursal do comunismo internacional” (disse Tércio Sampaio Fr. Em 2008). Ao se utilizar tal argumento, tenta-se passar a ideia de que toda violência se equivale. A violência militar foi um golpe preventivo contra o Estado comunista, utilizando o argumento de ter sido uma ‘contrarrevolução’ (na tentativa de legitimar o golpe de estado).
Qualquer país do mundo usa os dois argumentos, dois exemplos clássicos de contradição, que prova a inanidade intelectual de uma posição que precisa, a todo momento, se legitimar entre dois argumentos contraditórios.
Por Exemplo a discussão da interpretação da lei de anistia pelo STF no artigo 1º: “Excetuam-se os benefícios da anistia aos que foram condenados pelas práticas de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”; propondo-se que os crimes do regime militar não são objetos de anistia.
No entanto, o presidente do STF evocou o artigo 5º, inciso 44, da CF para justificar que os crimes militares teriam de ter o mesmo destino.
“Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
Para o referido ministro não há diferença estrutural entre Estado democrático e Estado ditatorial, ou que simplesmente não havia ditadura. O Estado democrático teve seus rudimentos destruídos pelo golpe militar de 1964, e que a lei visa tornar crime raciocínios como este. Segundo Pontes Miranda, grupos militares violam a constituição para salvá-la; afirmar que em situações excepcionais seria possível romper a lei para garantir o funcionamento da lei.
O Brasil é o único país Latino americano onde a lei de Anistia vale para acobertar tais crimes contra a humanidade. O único país onde as Forças Armadas fizeram um mea-culpa sobre o regime militar.
“Qual o caso de tortura feito por terroristas?” Como não há criou-se o argumento de circunstância que consiste em dizer que os sequestros também eram crimes contra a humanidade, em que crimes contra a humanidade são do Estado contra seus cidadãos, e não feitas contra um Estado Ilegal a seu aparato de defesa.
“A reciprocidade que fundamenta a posição de que dos dois lado há crime contra a humanidade é realmente algo a ser levado a serio pelo saber jurídico?” Então, por que o Tribunal de Nuremberg não condenou os resistentes franceses, que cometeram assassinatos, torturas e sabotagem contra um Estado Nacional e também contra cidadãos Franceses.
Anatomia do Estado Ilegal
A tradição política admite, desde Locke, o direito de que todo cidadão tem de se contrapor ao tirano e às estruturas de seu poder. Esse argumento retira a legitimidade da violência contra o aparato repressivo da ditadura militar brasileira inaceitável; ou seja, é uma batalha que não separa esquerda e liberais, mas que os coloca em um campo comum.
Toda ação contra um governo ilegal é uma ação legal. Um Estado ilegal não pode julgar ações contra si por ser ele próprio algo mais próximo de uma associação criminosa. O regime militar brasileiro era mais ilegal que o nazista. Hitler não pode ser chamado de ditador, ele era Chanceler do Reich legalmente designado após a vitória de seu partido, respaldado pela CF de Weimar. Contrariamente aos generais brasileiros, ele não depôs ninguém e não suspendeu a CF. Ele utilizou o artigo 48, que previa a declaração de Estado de emergência, e governar sob estado de sítio durante 12 anos.
Dois princípios fundam a experiência de modernização política.
                            I -             O governo só é legítimo quando se funda sobre a vontade soberana de um povo livre para fazer valer a multiplicidade de interpretar a respeito da própria noção de liberdade. Legalidade está ligado a capacidade do Estado de criar estruturas institucionais que realizem a experiência da liberdade. Liberdade converge nas aspirações advindas de tradições políticas distintas; é indissociável do igualitarismo radical e do combate à exploração socioeconômica” Ou direito à propriedade. No Entanto, bloquear a possibilidade política de combater e ignorar a natureza conflitual do vínculo social é a primeira ação do Estado Ilegal.
                          II -             O direito fundamental de todo cidadão é o direito à rebelião, quando o estado transforma-se em ilegal, a resistência por todos os meios é um direito. A democracia deva confrontar-se com o “problema do significado jurídico de uma esfera de ação em si extrajurídica; que ela deva se confrontar com uma esfera jurídica, mas nem por isso legal, nem por isso equivalente à exceção própria ao poder soberano, elemento a exigis nossa criatividade política.
A declaração dos direito do Homem e do cidadão, de 1793, define que todo indivíduo que usurpe a soberania seja assassinado imediatamente pelos homens livres, e hoje aparece na constituição alemã como direito à resistência. Não deve-se compreender a ideia fundamental deste direito à resistência simplesmente como núcleo de defesa contra a dissolução dos conjuntos liberais de valores; na verdade, encontramos a ideia fundamental de que o bloqueio da soberania popular deve ser respondido pela demonstração soberana da força.
Este é o solo adequado para entendermos o sentido da tentativa de desaparecimento do nome daqueles que participaram da luta armada contra a ditadura. Os jovens que entraram na luta armada aplicam o direito mais elementar, o que levanta armas contra um Estado Ilegal.
Nesse sentido, não devemos tolerar o argumento de que nos países socialistas também havia terrorismo de Estado e era isto que a luta armada procurava implantar no Brasil. Aqueles totalitários que acusaram seus opositores de comunistas estão todos presos, ou foram; o Brasil deve ser o único no mundo em que se aceita esse argumento.
No entanto não havia luta armada de esquerda antes do golpe militar. A luta contra os militares esteve sempre vinculada, primeiramente, à recusa legítima ao regime militar: o que unia todos os que entraram na luta armada não era um projeto comim, mas uma recusa comum.
Mesmo em uma situação de guerra, se integrantes do Exército deliberadamente assassinam inocentes, eles são processados.
O processo político presente na esquerda brasileira antes de 1964 tratava-se de uma conquista gradual de maiorias políticas no interior da democracia parlamentar; visava permitir a sustentação institucional para a realização de políticas amplas de reforma e de modernização estrutural das sociedades latino americanas. Mas, para o pensamento conservador, esse processo era o mais perigoso pois demonstraria a viabilidade de uma esquerda transformada e capaz de assumir processos próprios às democracias parlamentares. Assim, a esquerda latino americana estava destinada a romper a polaridade entre social-democracia de escopo reformista limitado e comunismo totalitário. Essa terceira alternativa era o verdadeiro alvo da Guera Fria em entre nós.
A exceção brasileira
Seria tal amnésia o preço doloso exigido para a estabilidade democrática”? Vale-se duas respostas: uma regional e outra estrutural.
A regional está em lembrar que nossa democracia não é estável nem progride em direção ao aperfeiçoamento; ao contrário, tropeça em seus problemas e é incapaz de superar os impasses que a atormentam a 25 anos. Vivemos em um período de desagregação normativa com suspensão de dispositivos legais devido à interferência de interesses econômicos no Estado, bloqueio da capacidade de participação popular nos processos de gestão do Estado. Uma constituição com artigos que não vigoram. Com o primeiro presidente pós ditadura que sofreu impeachment, o segundo que comprou sua reeleição e com um PGR apelidado de engavetador geral.
Por nunca ter feito um tribunal contra a ditadura, o Brasil nunca disse claramente rechaçar as práticas politico-administrativas típica dos operadores de regimes totalitários como o brasileiro, um regime que fez questão de mostrar que não leva a serio as leis que ele mesmo enunciava.
Uma ditadura que mostrava uma legalidade aparente, com eleições e partidos opositores, livros de Marx e Lênin, musicas de protesto e assinatura de tratados internacionais contra tortura; mas, que na prática, mostrava-se diferente. Nunca se sabe quando se está fora da lei, o próprio governo faz questão de mostrar que pode embaralhar.
A resposta estrutural aos partidos da amnésia está que esse consiste em lembrar que nenhum país conseguiu consolidar sua substância normativa sem acertar contas com os crimes de seu passado. Não há esquecimento quando sujeitos se sentem violados por práticas sistemáticas de violência estatal e bloqueio da liberdade socialmente reconhecida. Os mortos nunca se calam, não haverá perdão enquanto não houver reconhecimento do crime.

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