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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Direito Canônico (História Cultural do Direito)

Direito Canônico
É um direito religioso cristão e que tem seus preceitos divinos no antigo e no novo testamento. Fora constituído pelos concílios, reuniões de prelados católicos, para regular a comunidade católica; busca refletir as Sagradas Escrituras; sobre as influências do direito romano.
Durante a idade média prosseguiu um direito laico, do poder temporal exercido pelos homens, e um direito religioso, o direito das almas e do espírito. O poder da igreja subsiste, portanto, com o poder laico dos soberanos, mas o seu desenvolvimento teve contribuição dos órgãos do Estado. A cristianização fora um pretexto usado por diversos Estados (como Portugal e Espanha) para dominação. Podia haver conflito entre esse poder espiritual e temporal, mas no fim encontrava-se um acordo.
Em Roma, a igreja católica era tida como oficial do império; suas instituições tinham organização territorial e a administração segue o modelo do Estado, dessa forma, cada província romana contava com um bispo e em cada civitas um bispo, a quem se subordinava o clero das paróquias. Já no Império Bizantino, a acumulação dos poderes temporais e espiritual pelo imperador constitui uma teocracia, com o imperador intervindo em questões da Igreja, reservadas ao domínio religioso.
Apesar do enfraquecimento do poder temporal da igreja no ocidente, ela continuava única e autoridade comum aos fiéis dos diversos estados, influenciando governantes e relacionando-se com eles. Os carolíngios formam, desde o início de suas conquistas, uma aliança com o papa; ‘Pepino, o breve’, é proclamado rei dos francos pelo papa Zacarias, que recebe em troca uma quantia de terrar que corresponde, atualmente, ao Vaticano. Carlos Magno é outro consagrado, pelo papa Leão III, e promulga as capitularia eclesiástica (decisões dos concílios que são reconhecidas leis do império).
Aso poucos, os sucessores de C. Magno ficavam mais submetidos Às autoridades eclesiásticas, até os conflitos entre a igreja e o tanto império. Com a Concordata de Worms  o papado reconhece o princípio da separação dos poderes espiritual e temporal, mas o poder do rei lhe é sagrado pela igreja. Contudo, o poder rela entra em choque com o poder religioso (enfraquecimento da autoridade papal).
No fim da Idade Média, Estados e Igreja muitas vezes convencionavam por concordatas a intervenção do estado na nomeação de altos cargos eclesiásticos, permanecendo a investidura canônica ao papa. Por fim, a separação entre Estado e Igreja.
A ascensão do Direito canônico vem nos séculos III a XI. Inicialmente atenta-se ao caráter ecumênico da igreja, o cristianismo como única e verdadeira religião para a humanidade; os diversos assuntos jurídicas de direito privado foram tratados pelo direito canônico, na jurisdição dos tribunais eclesiásticos. Enquanto o direito em sua essência era consuetudinário, o canônico era escrito, comentado e analisado, e com o tempo sistematizado e codificado. Constitui uma ciência do direito a influenciar o desenvolvimento de outros direitos.
Legislação canônica
As decisões eclesiásticas são finte viva do direito canônico e constituem a legislação canônica, seja por decretos, decretais, constituições pontifícias ou costumes e princípios do direito romano.
Os decretos, ou cânones, são as decisões tomadas nos concílios, em especial episcopais. São exemplos o concílio de Trento (1545 – 1563) na qual se processou a contra-reforma em razão da reforma protestante, com a confirmação da doutrina acerca dos sete sacramentos e dos dogmas eucarísticos.
Já as decretais (litterae decretales) são os escritos em resposta a consultas formuladas por bispos oi responsabilidades eclesiásticas ou laicas de destaque. Trata-se de uma interpretação ou complementação das decisões proferidas nos concílios.
As constituições da igreja são verdadeiras leis da igreja que transmitem mais conselhos do que ordenamentos, nas quais os papas se dirigem aos bispos e à comunidade, sobretudo por meio das encíclicas.
O costume é o direito não escrito (ius non scriotum) logo, não possui grande destaque no Direito Canônico, que muito se assemelha com o direito romano e sua tradição escrita. Como princípios para se reconhecer um costume, era necessário que ele fosse seguido por aproximadamente trinta anos, não ofendesse a razão e respeitasse o direito divino. Entretanto, não constituía como regra uma fonte , os tribunais eclesiásticos observavam os costumes como fonte local de direito.
Os princípios do direito romano constituíam m direito supletivo, uma vez que o direito canônico se desenvolveu no Império Romano; à exemplo a teoria das obrigações e os elementos fundamentais do direito civil.
A reforma gregoriana
A reforma religiosa medieval foi uma mudança na qual houve interligação na mudança institucional e no surgimento de um novo modo de vida e mentalidade. Ocorreu no pontificado de Gregório VII, que tinha como pontos principais: a confirmação da independência da igreja, para que não sofresse mais influências temporais na nomeação de seus bispos e abades, e ingerências nas eleições papais; a abolição de simonia (venda de serviços religiosos; e o encerramento da prática sexual de clérigos, que até mesmo constituíam famílias e não deixavam as ordens sacras. Resumindo, era a volta às origens, ecclesiae primitivae forma.
No que tange à independência da Igreja, Gregório VII consegue dirimir junto ao imperador Henrique IV, do SIRG (Sacro Império Germânico), a “querela das investiduras” (influências temporais para nomeação de bispos e abades, e ingerências nas eleições papais – cesaropapismo), que já era defendido pelos imperadores do SIRG na tentativa de unir os poderes temporais e espirituais (deter o poder universal). Por medo de ser excomungado, Henrique IV deixa de interferir nos assuntos da igreja – Humilhação de Canossa. Em 1122, o Papa Calixto III e o Imperador Henrique V do SIRG assinam a concordata de Worms, estabelecendo que as investiduras espirituais eram prerrogativas da igreja, enquanto as temporais do Estado.
Em função dessa mudança, surgem novas ordens religiosas: Cluny, que libertou os mosteiros e conventos das dominações feudais e restaurou as instituições da igreja; Cartuxos e Cister, que valorizavam o trabalho manual como meio de oração; Cônegos, que retomavam Santo Agostinho, com maior inserção na vida das comunidades urbanas, a partir do equilíbrio entre as vidas ativas e contemplativas. Entre os leigos, a reforma significou uma mudança de mentalidade, com movimentos de pobreza e simplicidade de vida, como os primeiros cristãos.
Com a reforma religiosa, a revolução comercial do período, com a retomada das rotas marítimas do mediterrâneo pelos cristãos, o que significou expansão da vida urbana e a burguesia, na qual o poder começava a se sobrepor ao poder político do clero e da nobreza. Então, a Igreja percebe a importância de se aliar com a burguesia, tanto que a reforma gregoriana tentou recuperar eticamente a burguesia (confirmado pelo terceiro concílio de latrão – reconhecendo uma posição mediana aos comerciantes dentro da hierarquia das profissões).
Nesse contexto, a usura começa a se justificar; o papa Alexandre III admite nas vendas a crédito a cobrança de juros, que significavam a remuneração pelo trabalho do comerciante em sua atividade mercantil. Assim, a burguesia manifestava sua posição pela manutenção da ordem e ortodoxia religiosa, eis que sobe ao pontificado Inocêncio IV (origem burguesa).
Esse movimento contribuiu para o descobrimento de textos clássicos guardados em mosteiros e nas bibliotecas. As universidades reuniam os status stucentium ou o ordo scholasticus (homens de diferentes países e classes). O laicato ganhava novo sentido e os clérigos passam a ser os mestres e estudantes, enquanto os leigos são aqueles que nçao possuem relação com as universidades.
No corpo docente e discente das universidades de destacam ordens medicantes (como as formadas por São Domingos e São Francisco, congressões religiosas dos pouperes Christis (leigos com voto de pobreza) obedientes à Santa Sé e subordinados à jurisdição dos bispos locais, atuantes as comunidades urbanas.
A formação do Corpus Juris Canonici
Desde o Século III surgem várias Coleções de direito canônico. Inicialmente em grego, passaram ao latim a partir de 510 de Dinis, o pequeno; que fora promulgado como lei no governo de C. Magno. Dinis escreveu também a Collectio Isidoriana (ou Hispana).
A Coleção Pseudo-isidoriana se destacou com os diversos regramentos para a igreja que afetavam a vida laica, mas continha informações falsas que foram aceitas e só revogadas  sete séculos depois.
Por muito tempo o direito canônico permaneceu como compilação de diversos textos. A coleção de maior relevância fora a concordia discordantium canonum, de Graciano, influenciado pela escolástica; na qual classificava e comparava os textos observando o valor jurídico. Além de compilar, ele apresentava seu comentário, resumindo a questão e propondo uma solução, por meio do dictum.
Diante da imensidão de coleções pós-gracianas, o papa Gregório IX determinou a compilação desses textos canônicos, chamados de Decretales extra Decretum Gratiani vagantes, proibindo compilações sem previa anuência de Roma. O Papa Bonifácio VIII promove nova compilação, Liber Sextus; Clemente, com constitutiones clementinae; e João XXII com as Extravagantes, acrescentadas pelas Extravagantes communes, que foram oficialmente tidas como Código de Direito Canônico (Corpus juris canonici).
O Corpus juris canonici vigorou de 1582 até 1917, sendo complementado com concílios e decretais papais, o jus novissimum. Foi substituído pelo Codex juris canonici, do cardeal Gasparini por determinação de Pio X, que se adaptava à realidade. Com o Concílio Vaticano II o Direito Canônico é repensado de acordo com a realidade.
João Paulo II confirmou a publicação de um novo código, em 1983. O código não teve o objetivo de substituir a fé, a graça, os carismas e a cardidade, mas busca proporcionar um ordenamento na sociedade eclesial, sinalizando o primado do amor, a graça do carisma, adaptando-se à realidade.
Para a Igreja o código é considerado extremamente necessário, como algo público e com visibilidade; com normas para estrutura administrativa e orgânica, exercício de funções divinas, relações dos fieis regulada segundo a justiça, por uma vida cristã mais perfeita.
O código é o principal documento legislativo, fundado na revelação e tradição; instrumento indispensável para assegurar a ordem individual ou convívio social ou na própria igreja.
Regras de competência e jurisdição
Segundo as observações de Jesus e os apóstolos, os cristão deveriam buscar a conciliação em caso de desentendimento, com o insucesso, recorreriam à arbitragem junto à comunidade cristã, na qual a desobediência resulta em excomunhão.
Com o reconhecimento do catolicismo como religião oficial de Roma, os cristãos ficavam submetidos ao inter volentes, que seria uma decisão episcopal equivalente À do juiz laico (opção pela jurisdição eclesiástica proferida pelo bispo de sua região). Inicialmente a competência era de religiosas e espirituais (clavibus); em seguida se reconhece o foro privilegiado dos clérigos nas matérias laicas ou religiosas, civis e penais; depois os carolíngios oferecem à igreja a competência de assuntos laicos de relação espiritual (como o casamento); com a decadência das jurisdições temporais (séc. X à XIV).
A igreja, também, amplia e confirma sua jurisdição de competência ratione personae (em relação às pessoas): eclesiásticos, cruzados, professores e estudantes (universidades eram católicas) e viúvas e órfãos (pessoas miseráveis) que solicitassem a proteção da igreja. Em relação às competências, apenas em relação aso clérigos a igreja tinha competência absoluta. A igreja confirmava sua jurisdição de competência ratione materiae: infração contra a Igreja e contra as regras canônicas. E, em matéria civil: o benefício eclesiástico, casamentos, testamentos que a envolvia e as promessas à Deus.
No aspecto processual, em matéria civil o processo era escrito, iniciado com o libellus (pedido da parte que dava queixa oficial), que resulta na convocação do réu; o libellus era lido diante das partes, o réu tinha direito litis contestatio (direito de se opor); as provas eram submetidas ao juiz, que, caso ausentes ou insuficientes, ordenava o juramento litisdecisório.
Na matéria penal, o processo era semelhante ao civil. No fim do século XII inicia-se o processo por inquisição, utilizado demasiadamente pelo Tribunal de Santo Ofício, entre outros aos que afrontavam os cânones da igreja, os hereges, os que praticavam bruxaria e feitiçaria, além de admitir a tortura.
Com a Reforma e laicização dos Estados, o Direito canônico perde competências, inclusive em relação ao clero, aplicado apenas em matéria relacionada à igreja; mas, para os católicos, continua sendo respeitado.
A recepção do Direito Romano
Em função de um estudo do Corpus juris civilis, surge uma ciência do direito, sob a influência da filosofia cristã e das instituições da baixa idade média. Tratava-se de um dierito erudito e teórico que se aproximava do romano e apresentava vantagens: escrito (segurança jurídica), mais completo (apresentava instituições e desenvolvimento econômico) e mais evoluído (vinha de uma sociedade evoluída). Era “o direito útil ao progresso econômico social”.
Para ser usado, o Corpus juris civilis passou por um minucioso estudo para sanar suas obscuridades e aproximar suas passagens. Os responsáveis por esse foram os glosadores, nome advindo pela utilização das glosas romanas. Daí nasce também a universidade de Bolonha, que coloca em prática o Corpus no contexto sócio-político-econômico. Em seguida os pós–glosadores deixam de interpretá-lo inteiramente, iniciando a doutrina jurídica sistematizada a partir do método da escolástica.
Em cada pais o direito Romano foi recepcionado, mas nunca substituído totalmente. Essa recepção forma um direito mais justo, um direito que admite provas mais racionais e testemunhais; um poder centralizado pelo reio ou senhor, a fim de garantir a paz, ordem e justiça; garante o desenvolvimento dos estados modernos. Oferece o reestabelecimento do comércio e a progressiva abertura econômica, com as feiras de comércio, surgimento de cidade, uma comunidade urbana de artesãos e burgueses e novas instituições. Substitui como fonte os costumes pela lei, processo legislativo de poder soberano real.
As grandes navegações difundiram o direito romano para fora da Europa. Assim, segundo J. Gilissen, fora da Europa o direito romano é puramente romanista ou misto (com a influência do ‘common law’).
Escolástica como método
A escolástica foi um método de estudo filosófico e teológico de destaque nas universidades medievais e buscava compreender os preceitos cristãos a partir da definição e argumentação sistemática.
Daí destaca-se São Tomás de Aquino, tentando promover a aliança tradicional com um espírito renovador. A ciência e a filosofia auxiliavam a especulação teológica, que dominava o horizonte especulativo. S. Tomás de Aquino participou da grande corrente do pensamento medieval que inovou ao procurar estabelecer e fortalecer a fé, utilizando-se do uso metódico da razão. Para ele, a salvação ou justificação da alma se efetua pela fé mais obras, boas ações.
Iniciada com a Escola de Chartres e Pedro Abelardo, que valorizam a razão para analisar a realidade; a verdade para P. Abelardo se revelaria indiretamente pela razão, por meio de um processo, a dialética, semelhante ao judicia, na qual haveria uma sistemática de oposição de ideias e argumentos.
Esse processo é seguido por S. T. Aquino em seus tratados teológicos (que apresenta tese e antíteses, que resulta em síntese). Depois da morte de Abelardo, inicia-se a difusão da sobras de Aristóteles, que teve como grande helenista e tradutor do século Guilherme de Moerbeke (amigo de Aquino). As quatro categorias de Aristóteles (ato e potência, substância e acidente) passam a fazer parte do pensamento tomista; além de ter também a influência do pauperes Christis.
Inicialmente, o racionalismo tomista sofre algumas condenações eclesiásticas, mas, com o Concílio de Trento, se torna doutrina oficial da Igreja. Ele postula que o homem recebe de Deus a razão, e mediante seu uso tem a capacidade de separar a verdade do erro; mas tem dificuldade de explicar como Deus tenha introduzido ou deixado introduzir o pecado.  
São Tomás, em sua dialética, apresenta uma tese argumentativa que não reflete sua opinião inicialmente, apenas na conclusão; tomada de leitura da contradição e da conclusão. Para ele, o pecado é deficiência nos ser e no ato; o homem praticaria o pecado no seu livre-arbítrio, Deu é a causa do ato do pecado, mas não do pecado por não ser causa da deficiência do ato.
Para Tomás de Aquino a lei é algo racional, ordenada para o bem comum, com fim próprio; é eterna, divina, natural e humana. Ele não distingue Moral, direito e religião. A lei eterna significa razão divina, a governar toda a comunidade e as fontes das outras leis. A lei natural não é revelada, mas produto da razão humana para compreendê-la, observá-la, interpretá-la e até subtraí-la. A lei humana visa explicitar os ditames das leis eterna e natural nos casos particulares, promovendo o bem comum; tal lei não pode ser limitada ao teor da sanção, mas exige um exame no foro da consciência; assim, ele se apoia em São Paulo para se deparar com o dilema do cumprimento de leis imorais ou injustas. Nesse sentido, lei que significa prejuízo ao bem comum não deve ser cumprida (respeitada).

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